Diante desse contexto, as matérias da memória podem
ter duas formas principais: a primeira delas é um monumento. Ele é o que se
refere a uma herança do passado, estando intimamente ligado à memória ao ato de
rememorar, de relembrar, de recordar, de evocar o passado; e a segunda é o
documento que é fruto da escolha do historiador, está ligado ao ato de ensinar,
de registrar, de provar, e de ensinar através do conhecimento gerado na
pesquisa, perpetuado e “eternizado” na escrita.
Podemos afirmar que durante muito tempo o documento
superou o monumento na produção historiográfica, tendo em vista que, o espírito
positivista se instalou na escrita da história. Entretanto, antes disso, o
termo monumento foi encontrado em diversos registros realizados na Idade
Moderna, por exemplo, foi utilizado, em 1759, por Nicolas Morea, historiógrafo
francês e pelo inspetor geral Bertin, em 1837, por Augustin Thierry, entre
outros.
No século XIX o termo monumento foi usado para se
referir as grandes coleções de documentos que eram produzidos na época como é o
caso, por exemplo, do Monumenta Germanie
historica, publicado em 1826. Contudo, de maneira geral, o termo documento
foi colocado em primeiro plano principalmente quando observamos a
historiografia europeia durante o final do século anteriormente citado e no
decorrer do século XX. Neste período iremos perceber o declínio do monumento e
ascensão do documento.
Este fortalecimento e poder do documento se deram
com auxílio da escola positivista. A partir do advento dela todo historiador
considerará o documento escrito como ferramenta essencial do seu trabalho, pois
sem este artefato, para eles, seria impossível fazer história visto que a fonte
escrita e oficial eram as únicas consideradas detentoras da verdade, e,
portanto, dignas de serem responsáveis por narrar os acontecimentos. Nessa
concepção, dos ideais positivistas, a ideia de documento continua sendo a mesma.
Contudo, em 1929, com a fundação da revista Annales d’histoire économique et
sociale a ideia que os historiadores tinham sobre documento
histórico começa a passar pelo seu processo de transformação e expansão. Nesse
instante alguns profissionais passaram a se questionar acerca do uso dos
documentos e a pensar se apenas um tipo de documento seria suficiente para a
construção da história, até mesmo porque eles eram limitados enquanto ao grupo
social que representavam.
Através
dessas questões levantadas pelos Annales, os pesquisadores concluíram que o
documento poderia abarcar mais fontes, além das escritas, e, assim, trazer um
sentido mais amplo para a história ao aceitar como fonte as ilustrações, as
imagens, as oralidades, entre outros, que se tornariam essenciais para um
trabalho mais completo, mais abrangente e que poderia auxiliar em uma escrita
mais plural. Com isso, estas mudanças levaram ao que passou a ser chamado de
uma revolução documental, que poderia ser classificada tanto como qualitativa
quanto como quantitativa.
O interesse em relação à memória coletiva também
muda de foco, além de ser considerada, a partir de então, como um patrimônio
cultural. Os historiadores não mais se preocupam em narrar, apenas, à história
dos considerados grandes homens, que seriam aqueles que teriam realizado os
ditos grandes feitos, porém dão visibilidade aos outros lugares sociais,
lugares que antes se encontravam silenciados, calados, amordaçados, um bom
exemplo seria as mulheres que a partir desse instante emergiram como participantes
da produção da história, como protagonistas.
Com a fundação dos Annales, além de todas as transformações expostas, houve uma
crítica em relação ao documento, ao caráter passivo do historiador e a falta de
criticidade. Diante da ilusão positivista de que todo documento seria autêntico
e traria a verdade absoluta sobre os acontecimentos, muitas vezes, o
pesquisador se esquecia de questionar se realmente ele estava trazendo dados
verídicos ou se haviam sido manipulados por um grupo que pretendia mascarar
certos dados.
Portanto, a Annales
permitiu que houvesse uma crítica ao documento, enquanto monumento,
enxergando-o como produto das forças da sociedade que o produziu, um produto
que ao primeiro olhar se esconde por traz de uma maquiagem, uma roupagem, pois
ele nunca se mostra no primeiro momento do contato, ele nunca é inocente. Olhar
dessa forma para o seu objeto de pesquisa é realizar um processo de
transformação de um documento para um monumento (que é o método seguido pelos
historiados atuais que simpatizam com essa vertente), entendendo-o como uma
ação consciente ou inconsciente de todos os partícipes da sociedade que não
pode ser isolado do ambiente e das demais interferências que os evocaram.
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