sexta-feira, 10 de abril de 2020

DOCUMENTO/MONUMENTO


 Ao buscar entender como funciona a memória coletiva e a história, devemos levar em consideração que ela é observada através da ótica: documento e monumento. Estes vestígios que chegam até nós, deixam de ser compreendidos como meros resquícios do passado, deixam de serem testemunhos fieis e completamente confiáveis. Agora, eles passam a ser entendidos como resultado de uma equação de forças que operam na sociedade. Podem ser considerados como objetos cujas preocupações giram em torno de passar efeitos de verdade que atendam a um determinado lugar discursivo.
Diante desse contexto, as matérias da memória podem ter duas formas principais: a primeira delas é um monumento. Ele é o que se refere a uma herança do passado, estando intimamente ligado à memória ao ato de rememorar, de relembrar, de recordar, de evocar o passado; e a segunda é o documento que é fruto da escolha do historiador, está ligado ao ato de ensinar, de registrar, de provar, e de ensinar através do conhecimento gerado na pesquisa, perpetuado e “eternizado” na escrita.
Podemos afirmar que durante muito tempo o documento superou o monumento na produção historiográfica, tendo em vista que, o espírito positivista se instalou na escrita da história. Entretanto, antes disso, o termo monumento foi encontrado em diversos registros realizados na Idade Moderna, por exemplo, foi utilizado, em 1759, por Nicolas Morea, historiógrafo francês e pelo inspetor geral Bertin, em 1837, por Augustin Thierry, entre outros.
No século XIX o termo monumento foi usado para se referir as grandes coleções de documentos que eram produzidos na época como é o caso, por exemplo, do Monumenta Germanie historica, publicado em 1826. Contudo, de maneira geral, o termo documento foi colocado em primeiro plano principalmente quando observamos a historiografia europeia durante o final do século anteriormente citado e no decorrer do século XX. Neste período iremos perceber o declínio do monumento e ascensão do documento.
Este fortalecimento e poder do documento se deram com auxílio da escola positivista. A partir do advento dela todo historiador considerará o documento escrito como ferramenta essencial do seu trabalho, pois sem este artefato, para eles, seria impossível fazer história visto que a fonte escrita e oficial eram as únicas consideradas detentoras da verdade, e, portanto, dignas de serem responsáveis por narrar os acontecimentos. Nessa concepção, dos ideais positivistas, a ideia de documento continua sendo a mesma.
Contudo, em 1929, com a fundação da revista Annales d’histoire économique et sociale a ideia que os historiadores tinham sobre documento histórico começa a passar pelo seu processo de transformação e expansão. Nesse instante alguns profissionais passaram a se questionar acerca do uso dos documentos e a pensar se apenas um tipo de documento seria suficiente para a construção da história, até mesmo porque eles eram limitados enquanto ao grupo social que representavam.
Através dessas questões levantadas pelos Annales, os pesquisadores concluíram que o documento poderia abarcar mais fontes, além das escritas, e, assim, trazer um sentido mais amplo para a história ao aceitar como fonte as ilustrações, as imagens, as oralidades, entre outros, que se tornariam essenciais para um trabalho mais completo, mais abrangente e que poderia auxiliar em uma escrita mais plural. Com isso, estas mudanças levaram ao que passou a ser chamado de uma revolução documental, que poderia ser classificada tanto como qualitativa quanto como quantitativa.
O interesse em relação à memória coletiva também muda de foco, além de ser considerada, a partir de então, como um patrimônio cultural. Os historiadores não mais se preocupam em narrar, apenas, à história dos considerados grandes homens, que seriam aqueles que teriam realizado os ditos grandes feitos, porém dão visibilidade aos outros lugares sociais, lugares que antes se encontravam silenciados, calados, amordaçados, um bom exemplo seria as mulheres que a partir desse instante emergiram como participantes da produção da história, como protagonistas.
Com a fundação dos Annales, além de todas as transformações expostas, houve uma crítica em relação ao documento, ao caráter passivo do historiador e a falta de criticidade. Diante da ilusão positivista de que todo documento seria autêntico e traria a verdade absoluta sobre os acontecimentos, muitas vezes, o pesquisador se esquecia de questionar se realmente ele estava trazendo dados verídicos ou se haviam sido manipulados por um grupo que pretendia mascarar certos dados.
Portanto, a Annales permitiu que houvesse uma crítica ao documento, enquanto monumento, enxergando-o como produto das forças da sociedade que o produziu, um produto que ao primeiro olhar se esconde por traz de uma maquiagem, uma roupagem, pois ele nunca se mostra no primeiro momento do contato, ele nunca é inocente. Olhar dessa forma para o seu objeto de pesquisa é realizar um processo de transformação de um documento para um monumento (que é o método seguido pelos historiados atuais que simpatizam com essa vertente), entendendo-o como uma ação consciente ou inconsciente de todos os partícipes da sociedade que não pode ser isolado do ambiente e das demais interferências que os evocaram.

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